atenção, produção
Uma frase se instalou em minha cabeça. Uma hipótese qualquer sem fundamento. Uma impressão contaminada pela perspectiva do formulador. Não há ciência, nela. Não há o rigor que a ciência exige. Ela traduz muito mais uma sensação do que um fato. Mora em minha cabeça há semanas. Está sempre visível de qualquer ponto do labirinto cerebral, durmo e acordo com ela. A frase me incomoda, me persegue. Se eu fosse poeta, ela seria um impulso à produção. Não o sendo, apenas perco o sono. A frase é:
Todo mundo que eu conheço que trabalha, trabalha demais.
Isso faz sentido pra mim, porque sendo minhas, tanto a cabeça quanto a frase, as palavras têm significados já traduzidos. "Demais" aí, quer dizer, mais do que gostaria ou do que acredita que é preciso. Distante da harmonia. Mais do que considera justo pra receber o que recebe. Desbalanceia a equação. Invade o tempo do descanso, do sono, do ócio, do entretenimento, da "barrinha de social" (pra quem jogou The Sims). "Trabalha" quer dizer: trabalha porque precisa trabalhar. Mesmo que não seja pra se sustentar integralmente, mas porque de alguma forma, precisa trabalhar. Porque há um projeto, um compromisso, uma necessidade, um ímpeto, um talento. Não é o cara que é desenhista duas vezes ao ano. É o cara que tem que trabalhar. Porque acredita, porque precisa da grana, porque não pode ficar absolutamente sem trabalhar, mesmo se tiver dinheiro, casa, comida e mulheres lavadas. (aprendi essa das "mulheres lavadas" ontem. adorei).
Quem trabalha não tem paz, porque trabalha. O equilíbrio não vem nunca.
Nunca.
Foi sempre assim? Inventamos recreio, horário de almoço, essas coisas, como inventamos a infância? Desconfio que não. Desconfio que todo mundo aumentou umas duas marchas na carga de trabalho, mas como foi todo mundo junto, a gente meio que finge que não percebe.
Não está certo, isso não. Atenção crianças, esse modelo está errado.
Claro, que só estará errado, se o fenômeno existir, e não for apenas a minha situação transposta para o mundo inteiro. Mas tenho essa sensação de que é por aí, mesmo.
há sempre mais a saber
O processo de viver no Garcia se aproxima de uma estabilidade.
Aqui o silêncio só existe das 2h às 5h. É o período em que crianças, velhos, cachorros, taxistas, pagodeiros, crentes, tia Célia, galos e antropólogos estão dormindo, ou longe de casa.
Dá cinco horas, começa o terror. Gente conversando, cachorro latindo, galo cantando. Devagarzinho vou me acostumando. Meu sono entendia como barulhos aceitáveis: ônibus, discursos de moradores de rua loucos, cachorrinhos de madame passeando na madrugada. Se esses sons existem na noite do Garcia, não chegam na minha janela. O novo repertório é mais extenso. Atrás da casa mora um menino mal criado que come bolacha antes do almoço, diz que "já vai" mas fica assistindo desenho e não gosta de fazer dever de casa. A mãe berra com o menino o tempo inteiro. O moleque vai pra escola e a paz se reestabelece. Duas casas ao lado tem um cachorro com complexo de inferioridade que late pra todos. Perguntei ao dono a raça: "é pit-bull de rinha".
8h é a hora do rush. Chega o carro de fruta vendendo banana prata delícia, tangerina suculenta e mamão maravilha. As crianças que estudam de tarde vão pra rua jogar bola, empinar pipa, cantar loucamente. Por qualquer motivo, cantam muito.
10h, quase diariamente, um sujeito enorme que mora há umas três casas de distância privilegia o pagode romântico. Altíssimo. E canta junto. Juro que dá pra acosutmar.
O movimento da tarde é provavelmente ainda mais variado e rico em sabores sonoros, mas não passei tardes em casa. De noite o movimento botequeiro é intenso e promove um vai-e-vem de conversinhas generalizado que passam a todo momento pelas janelas e as últimas crianças esperam o "1-2-3-salve-todos" pra ir pra casa.
Os nomes dos bares são divertidos. Barfadinho, Aconchego da Zuzu, Point do nº145. A cerveja é barata e a atividade é de domingo a domingo. Na Rua Prediliano Pitta tem caldo de sururu a um real. Por ali tem Lan house de um real a hora. Na grade do Edgard Santos lê-se: Temporada de Inverno OZ BAMBAZ, todo domingo, 18h. Locadora de DVD a um real é o que não falta.
Aliás, o bauru que se compra no Centro a 1,50, comprei na porta de casa por 50 centavos. Genial. No mercadinho do fim de linha, outras surpresas: só tem leite Elegê(!), e as marcas de cigarro disponíveis são: Carlon, Marlboro, Derby, US American Blend(?) e alguma-coisa-Azul que eu também nunca tinha ouvido falar.
Mas eu tô chegando ainda. Há sempre mais a saber.
bahia
Trechos de conversas pinçados nas ruas da cidade da Bahia:
"...eu acho que cada um faz como acha melhor, melhor homem veado do que ladrão, né?"
"...negão, negão, ele não é, não, mas neguinho também, não deixa de ser."
- Lá vai a bizarra
- Oxe...
- Oxe o quê, rapaz? Mulé feia da porra.
- Tsc! Feio é homem.
decente, bahia, decente.
pstu . amém
Dedicarei umas linhas ao plebiscito popular do PSTU. Em tese, é o plebiscito de diversas organizações políticas e diversas instâncias de diversos setores, mas na real, é do PSTU.
Não votei. Não vou votar.
A idéia é boa, consulta pública organizada pela sociedade civil, sobre temas importantes, acho ótimo. A formulação das perguntas, no entanto, é obra de gente sem caráter. Não te dá direito de escolha, reflexão, tomar posição. É para ser respondido por bois. Responda MU, ou não responda nada. MU! Ê boi! Vai boi!
Olha como são as perguntas:
"Você concorda que o governo continue priorizando o pagamento dos juros da dívida pública deixando de investir em trabalho, saúde, educação, moradia, saneamento, reforma agrária, água, energia, transporte, ambiente saudável?".
Isso é coisa de manobrista. De manipulador. Pensamento maniqueísta escroto.
Uma pergunta séria, de um trabalho sério, de gente que quer de fato consultar a população, seria:
"o governo deve priorizar o pagamento dos juros da dívida pública?".
Aí sim. Zezinho pensa e responde o que achar melhor de acordo com que ele acha. Mas nesse plebiscito, as perguntas só têm uma resposta possível. Constrange as pessoas. E dá margem a não ser levado a sério, como não o será. Como não deve ser. Dinheiro, tempo, trabalho e boa vontade jogados no lixo, porque quer FORÇAR as pessoas a repetir os dogmas do partido, ao invés de agir corretamente.
O PSTU já tem profeta, santo, doutrina, dogma, livro sagrado, fiéis, tudo. Deviam admitir logo que é uma religião.